Foi-nos apresentado uma objeção
ao pressuposto que admitimos na última postagem da página [leia aqui], no qual
afirmamos que a religião (ou a experiência religiosa) é fundamento absoluto de
toda cultura e que, no momento em que se admite a inexistência de Deus,
perde-se também o direito de afirmar valores e deveres morais objetivos. Achei
por bem destrinchar este tópico que pode causar dúvida e desconforto nos mais
céticos, mas que dentro da academia filosófica, é praticamente algo inquestionável.
Quando
afirmamos que algum fundamento, valor, experiência e etc. é objetivo, queremos
dizer que tal coisa não depende da opinião de quem o afirmar e é valido ainda
que eu não goste ou não concorde. Por exemplo, dizemos que a matemática é
objetiva pois, ainda que eu não me agrade do resultado da conta “2+2”, ele é
válido e inequívoco da mesma maneira. Na contrapartida, algo subjetivo é algo
que depende da minha opinião ou gosto. Por exemplo, minha preferência por
sorvete de creme é subjetiva pois, ainda que seja meu favorito, este último
depende do sujeito (eu) para manter-se. Ele não é válido nem impositivo, tal
como a matemática, para outros sujeitos.
Portanto, ao
afirmar que os valores e deveres morais são objetivos, quero dizer que existem
comportamentos que são errados e certos, bons e maus, independente da opinião
ou gosto de alguém. A título de exemplo, a experiência moral (tão certa quanto
a experiência sensorial), nos demonstra que estuprar uma criança por pura
diversão é errado, ainda que todos se convençam do contrário, assim como amá-la
e nutri-la para que cresça saudavelmente é algo bom. Ainda que toda uma
sociedade se convença que exterminar toda uma etnia em função da pureza racial,
como estava convencida a Alemanha nazista, isto não faz nada para transformar tal
atrocidade em correta.
Tendo dito
isto, o questionamento é auto evidente: Na ausência de um fundamento transcendental
para os valores e deveres, que razão existe para se agir moralmente? Se aquilo
que chamamos de certo e errado é apenas um subproduto das convenções sociais
influenciadas por um cooperativismo provindo de nossa evolução, não existe algo
que realmente defina errado e certo em atitudes. Moral, deste modo, é
remanescente direto de sua sociedade e não há padrão último para se questionar
ações de sociedade nenhuma. Os nazistas? Eram produto de seu tempo. Fizeram o
que achavam correto. Estupros? São remanescentes de sua cultura, não há padrão
para questioná-los. A moral, sem Deus, vira o que chamamos de relativismo. O
clássico “é errado para você, mas não é para mim”. A moral subjetiva foi o que
justificou as atrocidades de todo regime comunista que já pisou nesta terra.
Sob o pretexto de que a “a religião é o ópio do povo”, se abole qualquer razão
objetiva para se agir corretamente. Richard Wurmbrand, um pastor torturado por
sua fé, escreve sobre este assunto:
“É difícil acreditar na crueldade do ateísmo quando não se crê na recompensa do bem ou na punição do mal. Não há motivo para ser humano. Não há limites para as insondáveis profundezas do mal que se encontram dentro do homem. Os torturadores comunistas costumavam dizer: ‘Não há Deus, não há outra vida, não há punição para o mal. Podemos fazer o que bem quisermos.' Ouvi até mesmo um torturador dizer: ‘Agradeço a Deus, em quem não acredito, por ter vivido para colocar para fora todo o mal que trago em meu coração. ’ Ele disse essas palavras em meio a uma inacreditável brutalidade, enquanto torturava prisioneiros. ” [1].
Esta conclusão também não é somente minha. Nietzsche, ao
postular a morte de Deus, chega à conclusão de que o niilismo é a única opção
racionalmente viável. Fiodor Dostoievski, em seu romance Os Irmãos Karamazov, faz uma pergunta retórica quanto a esta
questão:
“O que se tornará o homem sem Deus e sem a imortalidade? Tudo é permitido e, por consequência, tudo é lícito? ”. [2]
Faço a você, leitor, a mesma
pergunta.
Na
contrapartida, quando percebemos que a objetividade da moral é algo racionalmente
inquestionável, a existência de Deus é uma consequência direta. Pois, como já
explanei acima, se na ausência de Deus a moral objetiva é irracional, quando se
percebe a inevitável objetividade da moral, segue-se logicamente que Deus
existe. Este argumento, em um silogismo, ficaria assim:
1.
Se Deus não existe, valores e deveres morais não
existem;
2.
Valores e deveres morais existem;
3.
Logo, Deus existe.
Gostaria de
fazer uma observação: não estou, de maneira nenhuma, afirmando que todo ateu ou
irreligioso é um devasso, imoral. Muito pelo contrário, existem muitos deles
que, em suas vidas, têm uma envergadura moral invejável e vivem vidas de
envergonhar muitos cristãos. Longe de mim querer afirmar tais atrocidades. O
ponto central do texto não sobre se é preciso crer em Deus para ser moral. Admito que é totalmente possível. O texto se trata do fato lógico de que, se Deus não existisse, não haveria moral objetiva nenhuma.
A
religião como fundadora da cultura e, por sua vez da sociedade, merece um texto
único, o qual escreverei em breve.
Portanto,
pensar a religião como apenas um conjunto de regras de controle civilizacional
é não entender o que é a própria religião: Uma constatação do divino que existe
ao nosso redor aliado ao puro desejo de adorar ao único que é digno. Observamos
o divino em tudo, querer adorá-lo é uma inerência do ser, por entender que, em
sua ausência, a vida é absurda. Reduzi-la a um compêndio de ética subjetivo e
dispensável é no melhor dos casos desconhecimento, e no pior deles,
desonestidade.
“Diz o insensato em seu coração: Deus não existe! ” Salmos 53:1.
[1] - Richard Wurmbrand, Tortured for Christ. Londres: Hodder & Stoughton, 1967, p. 34.
[2] - Fiodor Dostoievski,Os Irmãos Karamazov, Brasil: Ed. Ediouro, p. 578.
Se possível, haveria alguma fala direta de Nietzsche para corroborar com este raciocínio? Se sim, qual é a referência que foi feita no texto?
ResponderExcluirDesde já agradeço, e parabéns pelo exposição do argumento.